"A disciplina antecede a espontaneidade." Emmanuel

09 julho, 2011

Um Grande Susto

Aguardávamos o ônibus que iria nos levar até o aeroporto de Guarulhos. A noite estava fria e chovia fino. Pouco a pouco formamos o grupo de doze homens responsáveis pelos voos de carga da noite. A frota era composta basicamente por aviões turbo hélice modelos Fokker 27 e 50. Neste dia iria efetuar o voo com destino a Campo Grande, levando um carregamento de revistas e muitos malotes do correio.
Meu voo era um dos últimos a partir. Durante o trajeto entre o aeroporto de Congonhas e Guarulhos, percebi algo diferente, não sabendo determinar o que seria. Íamos todos conversando animadamente, uns contando piada, outros rindo. Os fumantes ficavam lá no fundo, dando suas baforadas. Alguns comandantes tentavam cochilar. Tarefa impossível pelo desconforto dos assentos duros, de plástico. Eu, particularmente, gostava de me certificar que o motorista se encontrava acordado o suficiente para nos levar em segurança até nosso destino. Ao chegarmos no pátio, senti o desconforto da garoa que caia lentamente. O teto estava tão baixo que quase tocava os postes do pátio de carga. Corri, buscando refúgio na gélida, mas seca, cabine de meu Fokker 50. Os preparativos de rotina, enquanto a aeronave era carregada, ocupavam-me a mente. Tudo transcorria de maneira normal, até que ... a primeira de nossas aeronaves, decolando para Bauru interrompe nossos afazeres. Na frequência do controle de solo fomos informados que situação gravíssima estava ocorrendo. Imediatamente troquei para a frequência do controle e, ... aflitos, eu e meu colega, acompanhamos o desenrolar dos fatos. Logo após a decolagem, o horizonte artificial do comandante entorta para a esquerda como se estivessem fazendo uma curva. Fato desmentido pela posição nivelada mostrada nos equipamentos do copiloto e stanbd by. Infelizmente, segundos após a falha do equipamento do comandante, o horizonte artificial do copiloto também entorta, só que para o outro lado. Restava agora o horizonte elétrico que funcionava como back-up. Só que neste dia, a bruxa estava realmente solta. E olha que não era Agosto não. Uma cablagem feita erroneamente no inversor deu um curto na última referência de atitude que nossos amigos tinham. A partir de então, nossos amigos perderam toda e qualquer referência com relação a atitude da aeronave, e como mencionei anteriormente, as condições eram as piores possíveis. Não demorou para que o pior acontecesse. Como não tinham mais noção de atitude nossos amigos voaram até o primeiro estol. A aeronave entrara em atitude anormal, fazendo com que eles perdessem rapidamente 4.000 pés. O controlador, de pronto, indaga se nossos amigos têm algum problema. De repente, voz tensa, dá notícia de que eles haviam perdido os horizontes e estavam sem referências visuais, declarando emergência. O segundo estol não demorou. Desta vez com tanta violência, que a aeronave despencava sem que nossos bravos amigos pudessem corrigir a trajetória da aeronave. A certa altura eles gritavam na fonia dando a impressão de que sabiam estar próximo o seu fim. O controlador perde o sinal radar da aeronave. O que indicava que os radares não captavam mais a aeronave. Caíram. O silêncio sufoca a todos. O controlador chama repetidamente pela a aeronave. Percebo o nó em sua garganta. Sem acreditar, busco explicação para tamanha fatalidade. De repente o milagre.... Como que por mágica, já quase na altura dos postes de uma avenida em Guarulhos nossos amigos conseguem desvirar a aeronave em atitude anormal, recuperando o voo. Eles buscavam agora manter condições visuais. Só que, como falei, o teto não permitia e eles teriam que enfrentar a camada espessa de nuvens se desejassem viver. Só lhes restava subir. Rapidamente o copiloto retira um cordão dado pela sua mãe em homenagem a sua última promoção e amarrando ele na bússola, improvisa uma referência de atitude. Se o cordão inclinasse para um lado significaria que estavam em curva, mesma coisa se ocorresse para quaisquer dos lados, dando uma precária e única fonte de referência. Graças a esta atitude, nossos amigos foram sair da camada a 18.000 pés, quando finalmente conseguiram retomar as comunicações. Para a surpresa de todos que dávamos como certa a sua morte. Controle São Paulo aqui é o voo 1234, estamos bem. Iremos voar no rumo de Ribeirão Preto. Solicito manter a presente altitude e proa. Autorizado, voo 1234. Informe autonomia e estimado, replica o controlador. E completa: a hora certa é 04:27z. Esta era para eles a hora de seu renascimento. Com um misto de júbilo e alívio, decolamos na sequência, ansiosos por reencontrar no próximo dia nossos amigos, e brindarmos ao feliz desfecho, após tão temível susto.