"A disciplina antecede a espontaneidade." Emmanuel

14 agosto, 2014

Doha - Entebbe

Nosso destino: Africa, cargueiro, destino a Entebbe (Uganda), com uma escala em Khartoum (Sudão).
Chego na nova área de despacho da empresa, para a coleta dos documentos de voo. Alguns minutos após surge meu colega de jornada, um mexicano franzino, meio cabreiro e me cumprimenta. Conferimos a documentação do voo, definimos nossa estratégia de abastecimento, em seguida pegamos o carro que nos levará à aeronave escalada para nossa viagem. 
Para nossa surpresa, assim que chegamos à aeronave fomos informados que o carregamento estava praticamente encerrado, restando-nos somente a programação dos computadores de bordo para iniciarmos nossa jornada.
Sou convidado pelo responsável pelo carregamento a conferir se todo o processo houvera sido feito a contento.
Fechamos a porta principal do compartimento de carga, despeço-me dos colegas do apoio de solo e fecho também as portas da aeronave.
Damos início, ao push-back e acionamento dos motores, a decolagem será da pista 34R no novíssimo Aeroporto Internacional de Doha (Hamad).
Os motores Rolls Royce demoram um pouco a embalar, com um ruído bem peculiar atingimos a potência necessária para a decolagem. Não fossem os mais de 4000 metros de pista, teríamos que utilizar toda a energia disponível para acelerarmos até a velocidade de decolagem. As condições de temperatura no deserto nesta época do ano, ultrapassam os 50 graus celsius, diminuindo a pressão atmosférica, dispersando as moléculas de oxigênio, o que nos demanda maiores velocidades, afim de obter a sustentação necessária para reverter a gravidade (força descomunal que nos mantém ligados a superfície do planeta).
Devido à instabilidade política de algumas regiões próximas, somos obrigados a fazer diversos zig zags, evitando assim espaços aéreos restritos a aviação comercial. Seguimos rumo norte sobrevoando o Bahrain, após, curvamos à esquerda e ingressamos no espaço aéreo da Arábia Saudita. Enquanto ascendemos ao nosso nível de cruzeiro, observo pela minha janela a imensidão aparentemente estéril abaixo de nós.
Um extenso mar de areia, dunas e petróleo com alguns minúsculos vilarejos iluminados pelo Sol que arde muito acima de nós. A parte central da Arábia Saudita é um a planície vasta, pontilhada por algumas elevações que chegam próximas de 5000 pés de altura, contemplo o show da natureza refletido pelas areias nas tonalidades que vão do amarelo vivo ao coral. Sobrevoamos a cidade de Jeddah deixando a nossa esquerda a cidade sagrada de Mecca. O sobrevoo do Mar Vermelho nos leva ao continente africano. Novo continente, novas paisagens.
O deserto de Nubian se destaca pelos diversos sulcos cortando a terra estéril, fincados com pequenos arbustos e alguma vegetação esparsa e rasteira. Imagino que, em algum momento do passado distante, estes pequenos afluentes do Nilo proporcionavam água e alimento para os que desejassem viver nesta região.
O Sudão sofre até os dias de hoje com conflitos internos. De tempos em tempos irmãos se aniquilam por motivos que certamente não justificam tamanha agressividade. Talvez no futuro não existam, como os rios do passado que agora não passam de desenhos secos e áridos (tal como o rasto dos conflitos armados marcam a história).
Desembarcamos cerca de 30 toneladas de carga. Fico surpreso em saber que a maioria do conteúdo que transportamos, se trata de objetos pessoais, que por conta do seu tamanho excessivo não podem embarcar junto com seus passageiros. 
Decolamos rumo ao nosso destino final. O sol começa a se pôr e uma lua infinitamente brilhante e cheia começa a iluminar com sua luz prateada o nosso globo. Por um instante, desloco-me em pensamento até a casa de meus pais, tento adivinhar o que estariam fazendo neste instante? Provavelmente almoçando! Já que lá no Brasil ainda é dia e o sol está a pino.
Lembro carinhosamente dos momentos que tivéramos dias atrás, quando de surpresa apareci por lá, matando a saudade que me sufocava pela ausência de minha esposa e meus filhos.
Desperto de meus pensamentos, sendo chamado a minha posição no tempo e espaço por meu colega de voo que, já incomodado, indaga: para que lado eu gostaria de alterar nosso curso, afim de evitar, uma monstruosa tempestade à nossa frente? 
Apesar do lindo espetáculo proporcionado pelos raios que cortavam o espaço, sendo cuspidos velozmente em meio a nuvem, sigo o bom senso e me afasto rapidamente da tempestade.
Afinal de contas, relâmpagos e aviões não fazem um par perfeito.
Iniciamos o procedimento de descida, aproximando direto para a pista 17, desviando da exuberância de tempestades em nossa rota. 
Sobrevoamos uma pequena parte do lago Victoria e pousamos serenamente em solo Ugandês.
Ao desembarcar percebemos imediatamente a diferença climática. Brisa suave a nos refrescar com 19 graus de temperatura. Uma overdose de verde nos enche os olhos. Nossos pulmões se deliciam com a umidade do ar revigorando-nos o ser.
Somos recepcionados pelo representante da base, que nos indica o motorista responsável por nos guiar até o hotel. Uma hora de viagem por estradas escuras e sinuosas, ladeadas por "pubs" fracamente iluminados e quase que completamente vazios, barraquinhas de comidas típicas, pequenos negócios e muita, mais muita gente, que a penumbra e o cansaço não nos permitiam distinguir.
Fecho os olhos e penso: Quão vasto e diverso este nosso planeta. Quanta gente, quantos sonhos, quantos desejos e sofrimentos!
Que bom poder testemunhar tudo isso!