"A disciplina antecede a espontaneidade." Emmanuel

09 maio, 2011

Seu Fulano e Suas Fulanas!

Todo o início de carreira tem suas dificuldades. Não é diferente no ramo da aviação comercial. O agravante é que se no passado as empresas aéreas ofereciam uma maior quantidade de bases operacionais fora da cidade de São Paulo, ou seja, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Salvador, Campinas, hoje em dia todas focalizam suas operações em São Paulo. Medida que nos obriga (pilotos), a morar pelo menos próximos a antiga capital da garoa.




No final dos anos noventa, antes da virada do século, eu dividia um pequeno apartamento de dois quartos, com um grande amigo, que conhecera hà alguns anos atrás. Naquela época com pouco mais de 20 anos, sobrava-nos testosterona e faltava-nos juízo. Certo dia, depois de uma jornada longa de trabalho, desembarco, quando de repente toca meu celular. Alô, Leandro, tá na área? Acabei de chegar, respondi. Então espera aí que eu vou te pegar, disse meu amigo. Ok! Te aguardo em frente ao saguão central.


Não demorou muito e uma buzina escandalosa dava notícia da chegada da minha carona: -E aí, como vão as coisas? Perguntou. Enquanto pegava minha mala acomodando-a no porta-malas. Tudo bem! Tenho voado bastante ultimamente. E com você, tudo bem? Perguntei. Entro no carro na parte de traz, me inclinando para cumprimentar a namorada (na verdade quase esposa) do meu amigo que se encontrava no banco da frente. Quanto tempo fulana! Você não deveria estar pernoitando em Natal? Perguntei. Deveria sim, só que minha escala foi alterada e acabei retornando a São Paulo hoje pela manhã bem cedo. Responde toda faceira. E acrescenta: Só assim terei mais tempo de ficar com meu amorzinho. Né “chuchu”? Conclui, dando um beijo na face de meu amigo que dirigia seu possante Palio 1.0, verde musgo, que ele insistia em guiar como se fosse um Corvette. Reduz aí! Insisto. Deste jeito, você acaba misturando as cores desta geringonça com outro carro e acabamos nos machucando ou a alguém. Infelizmente, a falta de responsabilidade impedia meu amigo de reduzir. E continuávamos serpenteando pelo trânsito louco de São Paulo. Percebo então que o retorno antecipado da futura esposa do meu amigo, não era exatamente o que estava em seus planos. Olho para trás do banco do carona e observo um arranjo bem bonito de flores. Não entendo muito bem o motivo do delicado arranjo estar naquele local. Acho que estas flores não são para ela, senão não estariam ali, pensei. Percebo que nosso caminho não era o usual. De repente, paramos em frente a um sobrado. Meu amigo desembarca e diz que vai resolver uma questão rápida, pedindo para que o aguardemos no carro. Começamos a conversar sobre amenidades. De repente, observo uma movimentação. Na janela lateral aparece lentamente meu amigo que de fora do carro sinaliza, gesticulando apressadamente as mãos dando a entender que ele queria que eu pegasse o arranjo de flores e o entregasse. Como farei isso sem que a moça veja? Impossível, pensei. A esta altura percebo que as flores tem outro destino. Apesar de entender sua gesticulação, finjo que não o compreendo. Tem início o martírio de meu dileto amigo. Percebendo que eu não o entendia, ele começa a ir de um lado para o outro do carro, cada vez mais agitado sem saber como fazer para pegar bouquet da outra namorada. Parecia um siri na lata. De um lado para o outro, sacolejando os braços, coçando a cabeça. A namorada percebe algo de estranho e dispara: O Fulano está meio esquisito. Parece meio agitado. Ei! Fulano, o que está acontecendo? Ele responde: Nada meu bem. Acho que um dos pneus do carro furou. Ato contínuo, abre o porta-malas, fingindo pegar as ferramentas e sussurra: Pô Leandro, pega as flores aí! Não acreditando na sua ousada manobra, viro para trás e com dificuldades para conter o riso pelo seu constrangimento, replico: Claro que não mané! Vou lhe ajudar a ter um pouco mais de juízo! Vejo então, um pouco mais atrás de nosso carro uma bela mulher olhando para nossa direção, encostada no portão da garagem, como que aguardando o desfecho da situação, sem entender muito bem o que se passava. Após mais algumas piruetas, sem sucesso, meu amigo desiste da ação. Entra no carro muito chateado. E bufando diz: Essas ruas são uma droga mesmo! Sua futura esposa o afaga e diz: É assim mesmo, tenha calma. Assistindo a tudo do banco de trás, calado, tenho a convicção de que se não ajudei o amigo a ter mais juízo, certamente colaborei para que não tivesse mais problemas. Pelo menos naquele dia. Seguimos para casa nós três. O namoro não terminou em casamento. O motivo? Só eles sabem. Acho que não era a hora. Pelo menos para ele. O casamento representava muita responsabilidade e sua irreverência não o permitia assumir tal compromisso. Continuamos amigos, todos nós, embora vivendo em cidades distantes. Mesmo depois de muitos anos, os laços de amizade resistem à distância e ao tempo.


Um comentário:

  1. Captain, muito divertida essa "história" inaugural. Boa idéia essa de criar o blog sobre o cotidiano de um aviador. No aguardo dos próximos "posts". Abraço!
    Bruno Marinho

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